Casos de racismo nas escolas escancaram uma triste realidade vivenciada por estudantes negros no Brasil

A pesquisa Percepções sobre o Racismo no Brasil aponta que 38% das pessoas entrevistadas já foram vítimas de racismo em escolas, faculdades ou universidade

Por Patrícia Rosa

No último dia 07 de junho, uma professora identificada como Cristiani Bispo, foi presa em flagrante após cometer racismo contra uma aluna negra, de 8 anos, na Escola Municipal Estados Unidos, no Rio de Janeiro(RJ).

Lorhane Sampaio, mãe da criança, declarou que as situações racistas eram recorrentes. A professora teria chamado a menina de “preta” e “cabelo duro”. O crime não foi uma situação isolada na instituição, outra mãe, Gabrielly da Conceição Basílio, relatou à reportagem do  RJ TV, que sua filha também reclamou da postura racista da professora. Ela conta ainda que a escola sabia da situação e não foi tomada nenhuma medida.

“Minha filha aos prantos chorando, a professora chamando ela de macaca, preta, cracuda e cabelo duro. A gente já vinha reclamando há muito tempo com a Secretaria, nada foi resolvido até hoje”, afirmou a mãe de outra aluna.

Colégio Municipal Estados Unidos, no Rio — Imagem: Reprodução

Por meio de nota, a Secretaria Municipal de Educação afirmou que afastou a professora de suas funções e uma sindicância foi instaurada para apurar o caso. A pasta disse que a professora está sujeita a ser demitida ao término da apuração.

Em Brasília (DF), os pais de um estudante de 14 anos denunciaram que o filho foi vítima de racismo no Colégio Sigma, instituição particular. Insultos como: “macaco”, “volta para a senzala” e “volta para a África”. O caso aconteceu durante uma partida de futebol em março deste ano, mas o caso só veio à tona no último dia 27 de maio.

Em entrevista concedida ao DF TV, o pai Luiz Claudio Oliveira relatou que durante a partida, em todos os momentos que o garoto pegava na bola sofria ataques racistas. No segundo dia após o jogo, o estudante ouviu outros insultos ao chegar à escola. A mãe do jovem relatou que aguarda uma atitude da instituição.

“Eu espero que a escola mostre que está realmente preocupada, não só em proteger o agressor, mas em proteger o meu filho que foi agredido. É muito fácil colocar um menino que ofende para fazer uma redação ou uma palestra, enquanto o outro, que é a vítima, está dentro da escola tendo que conviver com aquela pessoa todos os dias”, relatou Sabryna Alves Melo. 

A instituição se pronunciou por meio de nota e afirmou que suspendeu o aluno responsável pelos ataques, mas que ele continua estudando no colégio.

Outra situação de racismo no ambiente escolar aconteceu em março deste ano, na Escola Municipal Hebe Leite Cardozo, na cidade de Novo Horizonte (SP), onde uma estudante negra de 12 anos foi pisoteada, xingada e recebeu ofensas racistas. De acordo com informações da Polícia, a queixa foi registrada na delegacia da cidade e o caso foi registrado como preconceito de raça ou de cor.

Casos que escancaram a realidade do racismo no ambiente escolar

Casos como estes escancaram que a violência e o racismo contra crianças e adolescentes é uma triste rotina nas escolas brasileiras, sejam públicas ou privadas. A pesquisa Percepções sobre o Racismo no Brasil, realizada em 2023 e encomendada pelo Instituto de Referência Negra Peregum, pelo Projeto SETA (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista) e realizada pelo IPEC (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica), aponta que 38% das pessoas negras relatam que já foram vítimas de racismo em escolas, faculdades ou universidades. O estudo mostra que 64% destas vítimas são jovens de 16 a 24 anos, 48% são mulheres pretas.

“Permitir a ocorrência de apelidos e formas pejorativas ao referir-se às pessoas negras no ambiente escolar é naturalizar os traumas sofridos pela população negra em sua trajetória escolar e contribuir para a permanência do racismo na sociedade”, afirma Edneia Gonçalves, socióloga, educadora e coordenadora executiva adjunta da Ação Educativa.

No livro “Discriminação Racial é Sinônimo de Maus-Tratos: A Importância do ECA para a Proteção das Crianças Negras”, organizado por Hédio Silva Junior e Daniel Teixeira, levanta-se a reflexão sobre a relação das crianças e adolescentes na sociedade brasileira considerando a perspectiva sobre o processo de colonização, que por vezes, não nos permite considerar nenhuma das diferenças, sejam elas de ordem racial, de gênero, classe, religiosa ou etária.

“Como resultado do processo de colonização, nosso raciocínio tornou-se absolutamente binário, ou seja, traçamos nossas reflexões e comportamentos por meio de uma lógica de superioridade versus inferioridade, o que estrutura relações subalternas. A superioridade em uma perspectiva colonizada, obviamente, é aquela que está mais próxima do colonizador”, afirmam os autores.

Bullying e racismo

De acordo com o livro, quando o bullying e o racismo são encarados como sinônimos, não é levado em conta como ambas as violências se estruturam. O bullying é característico do universo escolar, ele ocorre exclusivamente nas relações interpessoais. O racismo, entretanto, está muito além das relações interpessoais e ultrapassar as fronteiras da escola, o estudante negro pode ser vítima de bullying e racismo ao mesmo tempo.

O bullying é uma realidade na trajetória de muitos estudantes, de acordo com levantamento do Instituto Datasenado, em 2023 o número de ocorrências de bullying na escola foi de 6,7 milhões, representando 11% do total de estudantes brasileiros. 

A professora do estado do Ceará, Alyne Ewelyn, de 33 anos, fala que o bullying é uma violência que pode ter um grande impacto na vida do estudante. “Isso pode marcar a vida dele inteira, como um trauma que ele vai carregar para a sua construção como ser, assim como outras violências que a gente acaba vivenciando.”

A educadora analisa que ocorre um atravessamento entre o racismo e o bullying no contexto escolar e ambas são facilmente confundidas. Ela reforça a importância do conhecimento de como as duas situações se apresentam, para ocorrer a distinção do que é uma brincadeira que se configura ligada ao bullying ou em tom racial. 

Educadora da Rede Estadual do Ceará – Alyne Ewelin – Imagem: Acervo Pessoal

“Parte também do ponto desse entendimento racial e de identidade. A partir do momento que você enxerga o racismo, você verá ele de diversas formas. As pessoas podem dizer que é uma brincadeira, mas você está entendendo o que está acontecendo ali”.

Alyne leciona para estudantes com faixa etária de 14 a 17 anos e destaca a importância do diálogo na sala de aula, além da promoção de debates para fortalecer a juventude e sua negritude desde o ponto de autoconhecimento. “A escola está para isso, para que a gente dê ferramentas para que eles se reconheçam, se descubram e se fortaleçam.”

71% das secretarias municipais de Educação não implementam a lei de ensino de história e cultura afro-brasileira

Em 2003, foi promulgada a lei 10.639/2003, que implementa a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no currículo escolar dos níveis fundamental e médio. Em 2008, a lei foi complementada pela Lei 11.645/2008, que determina a obrigatoriedade do estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena em todo o ensino fundamental e médio.

Para Edneia Gonçalves, a legislação dialoga com o reconhecimento do racismo no ambiente escolar: “A inclusão do enfrentamento ao racismo nos projetos pedagógicos evidencia o compromisso da educação escolar com o direito de todos os estudantes – crianças, jovens e adultos – na construção de uma trajetória escolar sem traumas e com acesso a um processo pedagógico crítico à desigualdade racial.”

Ednéia Gonçalves – Imagem: Arquivo Pessoal

Apesar da obrigatoriedade e importância,  há um longo caminho para a plena aplicação da lei. Dados da pesquisa “Lei 10.639/03: a atuação das Secretarias Municipais de Educação no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira”, conduzida pelo Geledés – Instituto da Mulher Negra em parceria com o Instituto Alana, aponta que após 20 anos da aprovação, a Lei não é implementada em  71% das secretarias municipais de educação no Brasil

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