Por Catiane Pereira
A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) criticou, nesta segunda-feira (30), a decisão da Justiça que concedeu liberdade a um dos acusados de envolvimento no assassinato da yalorixá e líder quilombola Maria Bernadete Pacífico, conhecida como Mãe Bernadete. Ela foi executada dentro de sua casa, no Quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho (BA), em 2023.
Em nota de repúdio, a coordenação afirma que a decisão evidencia a fragilidade do Estado na proteção de lideranças negras e quilombolas, e envia uma mensagem perigosa de que essas vidas podem ser ceifadas sem consequências.
“Essa impunidade fortalece o ciclo de violência que atinge quem ousa defender os direitos dos povos tradicionais, dos povos de terreiro e dos que lutam contra o racismo ambiental e fundiário”, diz o comunicado.
A Conaq classifica o assassinato como um atentado político e simbólico, e cobra do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) a responsabilização dos autores materiais e mandantes do crime, além de celeridade na investigação e garantias de proteção às lideranças quilombolas ameaçadas.
A entidade destaca que Mãe Bernadete estava incluída no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, do governo federal, quando foi assassinada, e que sua morte escancarou a vulnerabilidade permanente das lideranças quilombolas no país: “Sua morte expôs falhas no sistema de proteção e escancarou o risco permanente ao qual estão submetidas as lideranças quilombolas em todo o território nacional”, afirma a nota.
Relembre o caso
Mãe Bernadete, 72 anos, foi assassinada a tiros dentro de casa, diante de familiares, no dia 17 de agosto de 2023. Como liderança, era contrária à presença do tráfico de drogas na comunidade e denunciava a extração ilegal de madeira em uma Área de Proteção Ambiental (APA) na região.
Além de líder religiosa no Quilombo Pitanga dos Palmares, Mãe Bernadete era ativista social, coordenadora nacional da Conaq e atuou como secretária de Política e Promoção da Igualdade Racial de Simões Filho entre 2009 e 2016.

Em entrevista à TV Brasil, em agosto de 2023, o filho da yalorixá, Jurandir Wellington Pacífico, denunciou que, embora ela estivesse no programa de proteção, a vigilância no local era precária. Segundo ele, havia câmeras ao redor da casa, mas os agentes policiais só compareciam por 20 a 30 minutos por dia. “Os meliantes sabiam os horários que eles [os policiais] iam e atacaram. Tanto que na hora que executaram minha mãe, cadê a proteção?”, relatou.
Além disso, segundo Wagner Moreira, coordenador do IDEAS – Assessoria Popular, organização responsável por executar o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos da Bahia (PPDDH), as câmeras não eram substituídas por falta de verba. Das sete instaladas, uma estava quebrada e duas filmavam o chão. Uma delas chegou a despencar de uma árvore.
A yalorixá também havia perdido outro filho, Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, 36 anos, conhecido como Binho do Quilombo, assassinado em 2017 após deixar o filho na escola. Ele também era um ativista pelos direitos humanos e quilombolas, e atuava contra a instalação de um aterro sanitário pela empresa Naturalle nas proximidades do território.
O crime, também cometido em Pitanga dos Palmares, teria relação com disputas por território. Em fevereiro deste ano, a Justiça também determinou a soltura de um dos suspeitos de envolvimento nesse assassinato.
Em novembro de 2023, a Polícia Civil da Bahia concluiu que o assassinato de Mãe Bernadete estaria ligado à atuação de facções criminosas na região. A hipótese, no entanto, é contestada pela família. Segundo o advogado David Mendez, a liderança era ameaçada por madeireiros da região, incomodados com as denúncias feitas por ela sobre a exploração ilegal de madeira dentro do território quilombola.Rejane Rodrigues, liderança do Quilombo Quingoma — um dos mais antigos do Brasil — afirmou, em entrevista à Afirmativa em agosto de 2024, que o maior legado de Mãe Bernadete é o de não desistir. “Nós enquanto lideranças sabemos que temos um alvo nas costas. Vários dos nossos antepassados morreram acreditando que o processo seria contínuo. Mas o legado que Bernadete deixa é de resistência. Continuar denunciando porque mesmo sabendo que temos um Estado e uma gestão municipal que está nos matando, a gente precisa continuar pela gente e pelos nossos”, declarou.