Flávio Dino no STF como “cota racial” é afroconveniência, avalia a professora Rosane Borges

O ex-governador do Maranhão tomou posse no Supremo Tribunal Federal nesta quinta-feira (22). Dino se autodeclara pardo desde 2018, mas até o pleito anterior, em 2014, sua autodeclaração racial constava como branco.

O ex-governador do Maranhão tomou posse no Supremo Tribunal Federal nesta quinta-feira (22). Dino se autodeclara pardo desde 2018, mas até o pleito anterior, em 2014, sua autodeclaração racial constava como branco.

Por Andressa Franco

Imagem: Fellipe Sampaio /SCO/STF

Nesta quinta-feira (22), o ex-governador do Maranhão e ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, tomou posse no Supremo Tribunal Federal (STF). Com a nomeação, Dino é apontado como quinto ministro negro a compor a Suprema Corte. Desde 2018, quando se reelegeu governador do Maranhão, o político se autodeclara “pardo”. Até o pleito anterior, em 2014 quando se tornou governador, sua autodeclaração racial constava como “branco”.

Negros, segundo a classificação do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), são o grupo formado por “pretos” e “pardos”.

Para a professora e pesquisadora na área de comunicação Rosane Borges, se trata de uma afroconveniência, além de uma “desfaçatez muito grande”, porque mesmo Dino se autodeclarando pardo, afirma, ele não é socialmente lido como negro.

“A afroconveniência é duplamente uma armadilha, porque eles usam de um recurso que nem eles acreditam, porque ninguém na esquerda vê Flávio Dino como negro, mas agora dizem que ele é.”

Em seu perfil no Instagram, a professora destacou que a afroconveniência é “conveniente à esquerda e à direita”, e um recurso antigo utilizado pela branquitude para neutralizar as lutas e reivindicações históricas da população negra e indígena. “Descobriu-se que nunca o STF foi tão negro, pois a régua que serviu para certificar Dino, poderá também certificar todos os outros”, escreveu.

Rosane também criticou de forma veemente a repercussão da imprensa brasileira de que a “cota racial” foi contemplada com a escolha do presidente Luís Inácio Lula da Silva, tendo em vista a autodeclaração de Dino. “Sabe-se que raça é uma construção social que biologiza o social e vive-versa, já que o debate não é da ordem da biologia. Sabe-se igualmente que Flávio Dino nunca foi posto nesta rubrica, jamais sofreu condicionantes por sua pardice tardia. (…) Se ACM Neto não pôde, por que Dino pode?”

Imagem: Reprodução Fundação Rosa Luxemburgo

Vale destacar que hoje está parada no Congresso uma PEC que anistia partidos políticos por descumprimentos de cotas raciais e de gênero. Desde 2020, passaram a vigorar novas regras de financiamento de campanha. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que a distribuição dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do tempo de propaganda eleitoral gratuita deveriam ser proporcionais ao total de candidaturas negras de cada legenda. Além disso, a partir de 2022 os votos para candidatas mulheres ou de pessoas negras passaram a contar em dobro para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e do FEFC.

Quinto ministro negro do STF

O STF foi criado em 1891. Nesses 132 anos, o primeiro ministro apontado como negro na Corte foi Pedro Lessa, que exerceu o cargo de 1907 a 1921, quando morreu. Em 1919, foi nomeado Hermenegildo Rodrigues de Barros, descrito por Leda Boechat Rodrigues no livro História do Supremo Tribunal Federal como “mulato escuro”. 84 anos depois, em 2003, Joaquim Barbosa foi nomeado pelo presidente Lula, então no seu primeiro mandato. Ele ocupou a cadeira até 2014, quando decidiu se aposentar, ao invés de permanecer no tribunal até atingir a idade de aposentadoria compulsória, que o permitiria ser ministro até outubro de 2024. Já na formação atual, o ministro Kássio Nunes Marques, indicado por Jair Bolsonaro em 2020, se autodeclara pardo.

Até hoje, nenhuma mulher negra foi ministra do Supremo Tribunal Federal.

Dos 11 magistrados que compõem a Corte, Cármen Lúcia é a única mulher. A primeira indicação de Lula esse ano foi Cristiano Zanin, que substituiu Ricardo Lewandowski. Desde a posse de Lula, movimentos sociais e sociedade civil organizada cobravam o petista pela indicação de uma mulher negra. Foram abaixo-assinados, campanhas, divulgação de listas de mulheres negras com notório saber, cobrança através da mídia. Reivindicações ignoradas pelo presidente. Com a saída da presidente da Corte, Rosa Weber, a expectativa aumentou ainda mais, por se tratar de uma mulher. Ainda assim, Lula optou pela indicação de outro homem, que no Brasil é lido socialmente como branco. Questionado, chegou a declarar: “não me falem de gênero e raça”. 

Para Rosane, a declaração escancara um processo de infantilização ao qual ativistas negras e negros e toda sociedade civil que se mobilizaram em campanha por uma ministra negra foram submetidos. Além de passar o recado de que agora o jogo é duro, para quem tem “conhecimento da política”.

“Esse subtexto é cruel, porque nos exclui da possibilidade de mulheres e homens negros também terem inteligência e estratégia para fazer frente a tudo isso, porque afinal de contas, nós somos as que mais sofremos com decisões prismadas do STF, falta de justiça e ameaça à democracia.”

Depois da maior pressão já registrada por uma ministra negra no STF, Rosane acredita que a segunda indicação de Lula reforça que ainda estamos distantes de consegui-lo.

“Na lógica do poder, nessa afroconveniência, são os homens não negros que estão dominando, então se eles fazem uso da afroconveniência, vão de certa forma beneficiar homens nessa lógica tortuosa.”

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