Por Patrícia Rosa
Desde dezembro de 2023, o silêncio deixado pela ausência de Ana Caroline Souza Campelo ecoa entre familiares e amigos. No próximo dia 5 de novembro, o Tribunal de Justiça do Maranhão inicia o júri popular do réu Elizeu Carvalho, acusado do assassinato brutal da jovem, que tinha 21 anos. O julgamento acontece na Comarca de Governador Nunes Freire (MA), a partir das 8h30.
Na madrugada daquele domingo, dia 10 de dezembro, ela saiu de bicicleta do posto de conveniência onde trabalhava, na cidade de Maranhãozinho (MA). Imagens de uma câmera de segurança revelaram que Ana Caroline foi seguida por um homem em uma moto, que teria abordado a jovem, obrigando-a a subir na garupa.
O réu levou a jovem para uma estrada vicinal em direção ao Povoado Cachimbo. Segundo o Ministério Público, o crime foi cometido por asfixia, de forma cruel, e sem chance de defesa para a vítima, que ainda teve o rosto desfigurado e partes arrancadas. Elizeu foi preso em janeiro de 2024, na zona rural do município de Centro Guilherme (MA).
Família espera por justiça
Dona Carmelita da Silva Souza, mãe de Ana Caroline, ainda espera que a justiça seja feita pela morte da filha. Ela se mostrou aliviada pela definição da data do julgamento, mas carrega a dor e a saudade de quem perdeu a filha para a lesbofobia.
“Eu quero que ele fique preso. Estou feliz e triste por esse julgamento estar acontecendo rápido, para tirar nossas dúvidas do que aconteceu, pois tem muitas coisas ainda que não foram esclarecidas e é muito difícil. Quem perde é a família, pois ela era uma menina quieta, não mexia com ninguém, para ser morta da maneira que foi.”
Durante esses quase dois anos desde o crime, dona Carmelita teve apoio do movimento de mulheres lésbicas. Ela fala da falta de apoio da gestão do município de Maranhãozinho, onde o crime aconteceu. “Nunca me procuraram, não me deram apoio de nada, era para ter uma manifestação lá e foi embargada.”
Carol era uma jovem sonhadora e alegre, e fazia poucos meses que morava em Maranhãozinho. Ela realizou o sonho de concluir o curso técnico de bombeiro civil, mas sua vida foi ceifada antes de exercer a profissão. “Foi uma menina muito querida por todos nós, era meiga, com 16 anos já começou a trabalhar e ter suas próprias coisinhas”, lembra a mãe da vítima.
Mobilização e luta por visibilidade

Para Ana Maria Esteves, coordenadora da Coletiva LesboAmazônidas, a marcação do julgamento para cerca de dois anos após o crime é resultado de muita luta e pressão popular por parte do movimento de mulheres lésbicas para dar visibilidade ao caso.
O Ministério Público do Estado do Maranhão denunciou o suspeito pelo crime de feminicídio, haja vista que a tipificação de crime de lesbocídio ainda não existe no Brasil. A ativista fala da importância de que esses crimes sejam investigados devidamente, e que suas especificidades sejam levadas em consideração.
“Diferente do feminicídio, a maioria desses crimes acontece em via pública. São praticados de maneira brutal e, muitas vezes, o criminoso não tem vínculo com a vítima. Por isso, a gente luta para que seja reconhecido como um crime de ódio.”
Ana Maria relembrou o caso Luana Barbosa, mulher negra, lésbica e periférica, morta aos 34 anos após ter sido espancada por policiais militares de Ribeirão Preto (SP), em 2016.
Mais de nove anos após o crime, André Donizete Camilo, Douglas Luiz de Paula e Fábio Donizete Pultz ainda não foram a julgamento. Os agentes estão sendo investigados por homicídio qualificado por motivo torpe. “A gente sabe que foi um crime de ódio, um crime de lesbocídio.”
Apesar da falta de tipificação, mulheres lésbicas seguem expostas à violência e ao ódio. O lesbocídio de Ana Caroline não é um caso isolado. Dados da primeira etapa do LesboCenso Nacional: Mapeamento de Vivências Lésbicas no Brasil, referentes ao período de 2021 e 2022, apontam que, num universo de 22 mil mulheres lésbicas ouvidas em todo o território nacional, 78,61% delas relataram já ter sofrido algum ato lesbofóbico; 24,76% das entrevistadas disseram que já foram estupradas.
Para o dia do julgamento do caso de Ana Caroline Campelo, amigos, familiares, ativistas da Coletiva LesboAmazônidas e do Movimento de Mulheres Olga Benário estão organizando um ato pacífico para pedir justiça por Carol. As militantes também estão arrecadando fundos para o deslocamento de pessoas do movimento que irão acompanhar o júri. O apoio pode ser feito por meio do perfil @coletivalesboamazonidas.


