Líder indígena é sepultado em Brumadinho (MG) apesar de liminar da Vale que tentava impedir cerimônia

O cacique Merong Famakã Mongoió foi encontrado morto na manhã da última segunda-feira (4). Ele liderava indígenas na ocupação de território reivindicado pela mineradora Vale

O cacique Merong Famakã Mongoió foi encontrado morto na manhã da última segunda-feira (4). Ele liderava indígenas na ocupação de território reivindicado pela mineradora Vale

Por Andressa Franco

Imagem: Aleanice Beata

O cacique Merong Famakã Mongoió, pertencente ao povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, foi encontrado morto na manhã da última segunda-feira (4), em Brumadinho (MG). Inicialmente, a Polícia Militar informou se tratar de um caso de suicídio. Mas a Polícia Civil investiga a possibilidade de um assassinado. A Polícia Federal também participa das investigações.

O líder indígena tinha 37 anos e deixou dois filhos. Ele estava à frente do processo de Retomada Kamakã Mongoió no Vale do Córrego de Areias, em Brumadinho, lutando pela defesa dos direitos dos povos originários. Ele liderava indígenas que vivem há mais de dois anos no Vale do Córrego de Areias, que era ocupado pela Fazenda Córrego de Areias, reivindicada pela mineradora Vale. Hoje, a área está em processo de reintegração de posse na Justiça.

A Vale chegou a conseguir na Justiça uma autorização para impedir o sepultamento do cacique nas terras onde vivia com outras famílias, em Brumadinho. Ainda assim, Merong foi sepultado durante a madrugada desta quarta-feira (6).

Em suas redes sociais, o frei Gilvander Moreira, integrante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), afirmou não acreditar na hipótese de suicídio. “O cacique Merong foi assassinado. Simularam suicídio, mas não foi. Merong conversou comigo em particular por 30 minutos no dia 25 de fevereiro. Ele estava com muitos planos para ampliar a luta.”

O processo de retomada

Antes do processo de retomada, o grupo vivia disperso em áreas urbanas de cidades da região. Desde 2021, teve início um movimento de retomada, e em outubro daquele ano, os indígenas liderados por Merong se instalaram no Vale do Córrego de Areias.

Em um vídeo divulgado pela União Nacional Indígena (UNI) em março de 2022, o cacique Merong explica que a retomada mobilizou kamakãs mongoiós que, ao longo de 40 anos, deixaram a Bahia em períodos de conflito e viviam em território urbano, muitas vezes em condições precárias.

Na pandemia de Covid-19, reivindicamos a garantia de vacina e de comida e esse direito nos foi negado. Então pedimos ao Grande Espírito que nos guiasse, chegamos aqui nesse território que estava abandonado e com nascente. Tempos depois descobrimos que ele é da Vale. Pode ser no papel, mas ela não mora aqui. A terra é para nós vivermos, para plantarmos, para nossas crianças tomarem banho no rio e ter educação diferenciada. Essa luta não é só nossa. Queremos proteger as nascentes. Queremos proteger os territórios das crateras da mineração”.

O território ocupado está localizado a aproximadamente 20 quilômetros da Mina Córrego do Feijão, onde ocorreu o rompimento de uma barragem de rejeitos, que provocou 270 mortes em 2019. Uma aldeia do povo pataxó-hã-hã-hãe está entre os atingidos pelo desastre.

Ataque ao povo Pataxó

O líder indígena nasceu em Contagem (MG), e, segundo nota da Funai, já havia atuado em processo de retomadas no Rio Grande do Sul, onde participou ativamente da Ocupação Lanceiros Negros, que contribuiu com as retomadas Xokleng Konglui, em São Francisco de Paula (RS), e Guarani Mbya em Maquiné (RS).

Merong passou parte de sua infância no Sul da Bahia, onde a disputa por território e processos de retomada também são fortes. Em janeiro deste ano, Maria de Fátima Muniz, a Pajé Nega Pataxó, foi morta a tiros em Potiraguá (BA), após fazendeiros tentarem expulsar indígenas que ocupavam uma fazenda na região.

Durante o tuitaço em reação à morte da Pajé, a liderança indígena Thaynara Pataxó denunciou que se trata de uma violência recorrente. “As comunidades Pataxó e Pataxó Hãhãhãe no extremo sul da BA, têm sido atacadas com frequência, não somente ataques, mas assassinatos, como os de: Vitor Pataxó, Irís Pataxó, Samuel Pataxó, Inauí Pataxó, Lucas Pataxó/Kariri Sapuyá e Nega Pataxó.”

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) lembrou que em pouco mais de 30 dias (14 de dezembro a 21 de janeiro), foram registradas pelo menos oito investidas contra os povos indígenas no Sul e Extremo Sul da Bahia. “A situação demonstra a necessidade de que os direitos territoriais reivindicados pelos povos indígenas sejam analisados e garantidos de forma rápida e efetiva”, escreveu o Conselho no X, antigo twitter.

Governo e sociedade civil reagem à morte do cacique Merong

Em nota, a Fundação Nacional dos Povo Indígenas (Funai) lamentou a morte do cacique Merong. “A Funai lamenta profundamente a perda e se solidariza com familiares e amigos neste momento de tristeza”, declarou.

O Ministério dos Povos Indígenas emitiu uma nota de pesar, e apresentou uma notícia-crime à Polícia Federal, “considerando se tratar da hipótese de crime cometido em detrimento de direitos indígenas coletivos, pedindo a adoção de medidas de polícia judiciária pertinentes.”

Em suas redes sociais, a deputada federal indígena Célia Xakriabá (PSOL) se manifestou a respeito do ocorrido. “Merong continuará vivo em nossos corações e na nossa luta, pois a luta é o que temos de herança.”

O Cimi reforçou a importância de investigar com rigor todas as possibilidades, diante da suspeita de parentes e amigos sobre um possível assassinato. “Mas sem perder de vista que os suicídios indígenas também devem ser vistos como um processo de violência contra os povos originários enquanto um projeto de extermínio”, acrescenta o texto publicado pela organização.

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