Por Karla Souza
Mesmo em um cenário considerado “favorável” — com renda estável ao longo da vida, sem períodos de desemprego, sem imprevistos financeiros, com vaga gratuita na escola para o filho e uma rede de apoio que permita a redução de gastos —, uma mulher negra de baixa renda no Brasil precisaria de 184 anos para comprar uma casa no valor de R$ 70 mil em uma favela. Com uma sobra mensal de apenas R$ 31,62 para poupança, essa mulher trabalharia a vida inteira sem conseguir adquirir um imóvel próprio e dependeria de, pelo menos, sete gerações para alcançar esse objetivo.
Os dados são do estudo “Sem moradia digna, não há justiça de gênero”, produzido pela ONG Habitat para a Humanidade Brasil, como parte da campanha “Sem moradia digna, não há futuro”, que denuncia a relação entre moradia inadequada e desigualdades de gênero e raça.
A pesquisa, baseada em cinco anos de análise de dados, revela que 62,6% dos lares em situação de déficit habitacional — que chega a 6,2 milhões de domicílios — são chefiados por mulheres. Além disso, outros 26,5 milhões de lares enfrentam condições inadequadas, como falta de infraestrutura e insegurança fundiária. Mulheres de baixa renda comprometem mais de 30% do salário com aluguel, muitas vezes precisando escolher entre pagar a moradia ou garantir a alimentação.
A sobrecarga de trabalho mal remunerado e a responsabilidade pelo cuidado não pago dificultam a capacidade de economizar. Segundo o estudo, mesmo com o auxílio do Bolsa Família (R$ 750), o tempo necessário para a compra de um imóvel cairia para 28 anos, ainda uma realidade distante para mães solo, que representam uma grande parcela desse grupo.
A falta de políticas habitacionais voltadas às necessidades das mulheres agrava a vulnerabilidade. Sem alternativas, muitas retornam a ambientes de violência doméstica por não terem para onde ir. Esse cenário, invisibilizado nos dados oficiais, dificulta a criação de soluções efetivas para o problema.
O impacto da crise habitacional também atinge a população LGBTQIAPN+, que enfrenta discriminação na busca por moradia. O resultado é um aumento no número de pessoas LGBTQIAPN+ em situação de rua ou vivendo em condições precárias, sem políticas públicas que atendam suas necessidades.
Outro fator crítico é o acesso precário à água e ao saneamento básico. Mulheres são as mais afetadas pela falta desses serviços, lidando diariamente com a ausência de infraestrutura para higiene pessoal e cuidado com suas famílias. A inexistência de banheiros adequados e coleta de lixo compromete a saúde e a segurança, ampliando o ciclo de vulnerabilidade social.