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“Nossas vozes devem se unir mais do que nunca”, diz Ana Irma Rivera Lássén, ativista afro-porto-riquenha

Liderança histórica do Caribe e integrante do Comitê Internacional da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, Rivera Lassen falou à Afirmativa sobre luta global contra o racismo e importância do ativismo interseccional 
Imagem: Reprodução Redes sociais

Por Kauana Portugal e Matheus Souza*

Neste 31 de agosto, Dia Internacional dos Afrodescendentes, a Revista Afirmativa se une à Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver – que em novembro pretende reunir um milhão de mulheres negras do mundo em Brasília (DF) – para uma conversa com Ana Irma Rivera Lassén, advogada afro-porto-riquenha, feminista, defensora dos direitos humanos e integrante do Comitê Internacional da Marcha.

Ex-senadora de Porto Rico, Rivera Lassén construiu uma trajetória marcada pelo enfrentamento ao racismo, à xenofobia, à discriminação de gênero e à violência contra a comunidade LGBTQIA+. Ao lado da esposa, a Dra. Elizabeth Crespo Kebler, publicou o livro Documentos do Feminismo em Porto Rico: Fac-símiles da História, referência no estudo dos movimentos feministas da década de 1970 e das contribuições das mulheres à história de Porto Rico, do Caribe e da América Latina.

A atuação política de Rivera Lassén é tão extensa quanto inspiradora: ela também é co-fundadora e ex-presidenta do Movimento Vitória Cidadã. De 2021 a 2024, ocupou o cargo de Senadora Geral e Porta-voz no Senado de Porto Rico, onde presidiu a Comissão de Direitos Humanos e Assuntos Trabalhistas. Hoje, atua no Conselho Consultivo do Comitê Latino-Americano e Caribenho para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) e no Conselho Consultivo da Rede de Mulheres Afro-Latino-Americanas, Afro-Caribenhas e da Diáspora.

Revista Afirmativa: A ONU proclamou os anos de 2015 e 2024 como a [primeira] Década Internacional de Afrodescendentes. Nestes primeiros dez anos da Década Internacional das Nações Unidas para Afrodescendentes, qual a sua avaliação dos progressos e frustrações em relação ao reconhecimento, à justiça e ao desenvolvimento de nossas comunidades?

Rivera Lassén: Antes e depois da Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância Correlata, em Durban, em 2001, houve muitos esforços para garantir o compromisso de Estados em reconhecer os efeitos do tráfico de pessoas negras escravizadas sobre nossos povos.

A Declaração e o Programa de Ação de Durban instauram que isso levasse a políticas públicas que garantissem o acesso e o gozo dos direitos humanos sem discriminação racial e outras formas correlatas de discriminação contra algumas populações marginalizadas.

Quando o Ano Internacional dos Afrodescendentes foi declarado pela ONU (Organização das Nações Unidas), em 2011, houve uma pressão crescente para que os Estados aprovassem propostas concretas voltadas para o reconhecimento e acesso aos nossos direitos. 

Com a proclamação da Década Internacional dos Afrodescendentes (2015-2024), esses temas ganham um impulso ainda maior, potencializado pelo surgimento do Fórum Permanente das Nações Unidas para os Afrodescendentes, entidade que atuou na implementação dos temas da Primeira Década e que permanece ativa agora, na Segunda Década (2025-2034).

Ao chegarmos a esta Segunda Década Internacional dos Afrodescendentes, os temas mobilizadores são o respeito às culturas, à herança dos afrodescendentes e a garantia dos direitos humanos sem discriminação. Observamos também maior ênfase nas reparações, assunto fundamental para avançar no reconhecimento dos danos causados pela escravidão.

Além disso, questões como justiça ambiental, desenvolvimento sustentável e justiça digital, fundamentais para garantir o futuro de todos os povos, sem exceção, também ganharam centralidade. Estes são os chamados Direitos Sociais, Culturais e Ambientais (DESAC), e a disposição dos países em implementá-los é medida pelo investimento que fazem neles.

Observar a falta de acesso a esses direitos por meio de interseções de raça, sexo, gênero e outros marcadores sociais, nos ajuda a compreender melhor as desigualdades e nossa posição como afrodescendentes. Tudo isso em um momento em que o mundo inteiro enfrenta forças ultraconservadoras e antidireitos que negam a existência de discriminação. Trata-se de uma situação geopolítica complexa, pois impacta tanto migrantes que não vivem em seus países de origem, quanto nós, em nossos próprios territórios.

R.A.: Qual a importância do dia 31 de agosto (Dia Internacional dos Afrodescendentes) para a construção de políticas de restauração histórica que beneficiem mulheres e homens negros em todo o mundo?

R.L.: O Dia Internacional dos Afrodescendentes tem um significado estratégico muito positivo e, acima de tudo, importante, pois o coloca entre aqueles que devem ser reconhecidos internacionalmente e nos ajuda a dar atenção especial às necessidades de cada país e a discutir o problema do racismo nacionalmente.

R.A.: Como a Marcha das Mulheres Negras contribui para tornar essas lutas visíveis em um contexto global?

R.L.: A Marcha das Mulheres Negras, em 2025, nos ajuda a conectar as questões da violência contra as mulheres e do racismo. Essa é a maneira como os direitos humanos continuam a avançar: a partir das interseções.

R.A.: Que legado de ativismo interseccional (raça, gênero e sexualidade) devemos preservar nos próximos anos?

R.L.: O ativismo interseccional é a única coisa que tem futuro. Assim como se diz que os direitos humanos são interdependentes e inter-relacionados, o mesmo se aplica à necessidade de combatermos o racismo conectando gênero, sexualidade e qualquer outra identidade discriminada, para entender como somos afetados.

Devemos também unir as questões ambientais, pois não há como alcançar um desenvolvimento econômico sustentável e acessível sem essa perspectiva. Para que todas as pessoas tenham acesso ao meio ambiente, à moradia, à educação, à saúde e a melhores condições de vida, é necessário adotar uma perspectiva interseccional.

R.A.: Qual é o principal passo que deve ser dado nesta nova década para promover reparações e reconhecimento político para as mulheres negras?

R.L.: O primeiro passo que deve ser dado para avançar em reparações e reconhecimento político para nós, mulheres negras, é reconhecer que enfrentamos situações difíceis e desiguais simplesmente por sermos mulheres negras, em toda nossa diversidade. Esse deve sempre ser o ponto de partida, acompanhado de um olhar interseccional, capaz de refletir sobre a complexidade de nossas comunidades.

R.A.: Que mensagem você gostaria de deixar para as mulheres negras na diáspora que estão construindo esse futuro ao redor do mundo, especialmente com a crescente de movimentos reacionários e de extrema direita contra populações negras?

R.L.: O avanço de forças ultraconservadoras, que atinge nossos países de origem e a diáspora, revela um momento geopolítico que exige a nossa união. Seja nos territórios em que nascemos, seja nos lugares para onde muitos de nós migramos, todos estamos sendo afetados. Nossas vozes devem se unir mais do que nunca. Sabemos que tudo isso está conectado às questões da migração e às políticas racistas que perseguem e expulsam imigrantes. Nosso povo, não importa onde esteja, é um só povo.

*Essa entrevista, é fruto da parceria entre a Revista Afirmativa, e a Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver.

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