Com base nos laudos periciais, os promotores do MP-BA argumentam que as execuções aconteceram por motivo torpe
Da Redação
Imagem: Felipe Iruatã
Três agentes da Polícia Militar da Bahia foram denunciados pela Chacina da Gamboa, que aconteceu no dia 1º de março de 2022, no Solar do Unhão, em Salvador (BA). Naquele dia, os jovens Alexandre Santos dos Reis, de 20 anos, Cléverson Guimarães Cruz, de 22 anos, e Patrick Sousa Sapucaia, de 16 anos, foram executados pelos PMs, como aponta a denúncia apresentada pelo Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA). Os policiais foram afastados do trabalho por 180 dias.
A denúncia foi oferecida pelo MP-BA em outubro e acatada pela juíza Andrea Teixeira Lima Sermento Netto, da 2ª Vara de Júri da Comarca de Salvador, no último dia 17 de novembro. Agora, os PMs Tárcio Oliveira Nascimento, Thiago Leon Pereira Santos e Lucas dos Anjos Bacelar Dias são réus por homicídio qualificado, abuso de autoridade e adulteração da cena do crime. Além disso, estão proibidos de circularem no bairro onde crime ocorreu e de se aproximarem de testemunhas e vítimas até o fim do processo.
Outro agente da corporação, Marinelson Mendes Alves da Cruz, não foi acusado de homicídio, mas por abuso de autoridade, por ter ajudado a alterar a cena do crime.
Com base nos laudos periciais, os promotores argumentam que as execuções aconteceram por motivo torpe. “Pelo exposto, verifica-se que o delito de homicídio sob comento, praticado pelos denunciados contra as vítimas Cléverson, Alexandre e Patrick foi cometido por motivo torpe, pelo fato de os policiais presumirem que todas as vítimas seriam criminosos da localidade de Gamboa de Baixo e que poderiam agir ofensivamente para matá-los, diante do desvalor de suas vidas, mesmo sem que houvesse qualquer reação armada ou resistência”, escreveram.
Wagner Moreira, advogado e coordenador do Ideas Assessoria Popular, organização que acompanha o caso, declarou à Ponte Jornalismo que a denúncia está “associando duas premissas: a de criminalização do território (‘presumirem que todas as vítimas seriam criminosos da localidade de Gamboa’) e o de racismo (‘diante do desvalor de suas vidas’)”.
“No Brasil a lógica que autoriza o extermínio do ‘outro’ é o racismo estrutural. O corpo negro é visto como de hierarquia inferior, e com menos resguardo juridico/institucional. Não se imagina que ao matar um “corpo branco” no seu habitat natural (um bairro de classe média ou alta) esse crime vai ficar sem investigação”, disse o ativista.
Laudos desmentem versão dos policiais
Na interpretação dos promotores, os laudos periciais desmentem a versão dos policiais de que houve confronto com os jovens. A denúncia relata que os jovens estavam em uma festa na comunidade quando os policiais chegaram e iniciaram uma perseguição.
Os policiais alegaram que, em meio a um confronto, mataram os três em uma casa abandonada. No entanto, o MP aponta que Alexandre e Patrick foram mortos fora do imóvel, e então colocados dentro da casa.
Cléverson também foi perseguido e foi morto dentro da casa. Um laudo pericial comprovou que o sangue no local era da vítima e que os projéteis disparados eram do PM Thiago Leon.
Quanto à morte de Alexandre, a versão do agente Tárcio em depoimento foi de que o rapaz estava na casa no momento em que foi ferido. No entanto, a perícia também desmente essa versão.
Já o adolescente Patrick foi morto com dois tiros fora da casa. O sangue da vítima foi encontrado na escadaria próxima ao imóvel, o que fragilizou a versão do PM Lucas, que fez os disparos contra Patrick.
Segundo a denúncia do MP, os policiais tentaram limpar o local das execuções com baldes e vassouras dos moradores da comunidade. Só depois de alterar a cena do crime é que o trio levou os corpos dos jovens para o Hospital Geral do Estado. Mas, ao chegar lá, os três já estavam mortos.
O comportamento dos militares ao socorrer mortos foi classificado pelos promotores como uma medida de praxe para buscar falsificar uma excludente de ilicitude, que poderia inocentar os agentes.
“No entanto, essa versão comumente utilizada pelos agentes de segurança pública para embasar causa excludente de ilicitude de legítima defesa, não encontra respaldo na prova testemunhal e pericial acostada ao apuratório”, diz o documento.
Os promotores também destacam a tentativa dos policiais de forjar um confronto. De acordo com o laudo da perícia, as armas apreendidas no local, supostamente utilizadas pelos jovens, nem funcionavam direito. Uma pistola estava com carregador não compatível para o uso, o que tornaria o disparo impossível. Além disso, não foi encontrado resíduo de pólvora na mão de nenhum dos três jovens.
A denúncia do MP ressaltou ainda que, mesmo que o confronto tivesse acontecido, os jovens estariam em desvantagem, já que as armas supostamente utilizadas por eles estavam com problemas, e cada PMs portava uma submetralhadora e uma pistola.
Assista a videoreportagem sobre o caso produzida pela Afirmativa em parceria com o Instituto Odara