Presidente Jair Bolsonaro (PL) parabeniza a polícia pelos assassinatos; entidades se unem em nota pública pelo cessar fogo
Por Andressa Franco
Imagem: Jose Lucena/Estadão
Na madrugada desta quarta-feira (25), subiu para 25 o número de mortos na Chacina da Vila Cruzeiro, localizado no Complexo da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro. A região está sendo o palco de uma ação do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF), a terceira mais letal da história recente da região metropolitana do Rio de Janeiro. A mais letal do estado do Rio de Janeiro, a Chacina do Jacarezinho, completou um ano no dia 6 de maio.
A versão da Polícia Militar afirma que pelo menos 15 das vítimas se tratavam de suspeitos mortos em confronto. Dois deles estavam internados sob custódia no Hospital Estadual Getúlio Vargas, e morreram nessa madrugada. Outro foi levado para uma UPA, e também morreu.
A Secretaria Estadual de Saúde informou ao portal G1 que quatro pacientes permanecem internados, dois deles em estado grave, e uma foi transferida. No total, das 28 pessoas que deram entrada no Getúlio Vargas, 23 morreram. O paciente transferido para a UPA também morreu.
Uma moradora, que não consta nessa lista, também morreu. Segundo a polícia, Gabrielle Ferreira da Cunha, de 41 anos, foi mais uma vítima das “balas perdidas”, atingida na entrada da Chatuba, que fica ao lado da Vila Cruzeiro, onde está localizado o Complexo da Penha.
O tenente-coronel Ivan Braz disse que a morte da moradora é uma “realidade trágica”. De acordo com o Bope e a PRF o objetivo da ação era prender chefes do Comando Vermelho escondidos na Vila Cruzeiro. A polícia afirma que lideranças da facção em outras favelas do Rio, e também de estados do Norte e do Nordeste estão abrigados na Penha. De acordo com o tenente-coronel, os confrontos devem seguir.
Segundo relatos dos moradores, os tiros começaram a ser ouvidos às 4h. Também houve relatos de tiros no Complexo do Alemão, onde uma estrada de terra estava sendo usada como rota de fuga.
Bolsonaro parabeniza operação
O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) abriram procedimentos para investigar condutas e possíveis violações de agentes de segurança. Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro (PL) parabenizou a operação, “Parabéns aos guerreiros do Bope e da Polícia Militar do Rio de Janeiro, que neutralizaram pelo menos 20 marginais ligados ao narcotráfico em confronto, após serem atacados a tiros durante operação contra líderes de facção criminosa”, disse.
Em fevereiro, outra operação conjunta das polícias Militar e Rodoviária Federal (PRF) na Vila Cruzeiro deixou pelo menos oito mortos.
Entidades se unem pelo cessar fogo
Nas redes sociais, a deputada estadual Dani Monteiro (PSOL-RJ), que é presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania (CDDHC), informou que desde o início da manhã de terça-feira (24), a Comissão deslocou equipes para os territórios atingidos e aos hospitais para prestar atendimento e amparo às famílias impactadas. Além de constatarem os danos causados por escolas impedidas de funcionar.
Na esfera institucional, a CDDHC encaminhou ofícios aos órgãos responsáveis para buscar respostas sobre as motivações e o planejamento da ação, considerando que o estado ainda está sob vigência da ADFP 635 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635), que suspendeu as operações policiais no estado do Rio de Janeiro durante a pandemia de Covid-19.
“O Brasil não tem pena de morte instituída, mas, na prática, é o que vem prevalecendo, principalmente nos territórios mais pobres. Até quando?”, diz a nota.
Entidades e movimentos signatários da Casa Fluminense emitiram uma nota pública, onde se dirigem ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, à Secretaria de Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, ao Departamento de Polícia Federal no Rio de Janeiro e à Superintendência da Polícia Rodoviária Federal no Rio de Janeiro para demandar o imediato cessar fogo e o fim da operação conjunta na Vila Cruzeiro.
O documento afirma que organizações e movimentos vêm recebendo relatos de familiares em desespero, em busca de notícias por entes ainda desaparecidos.
“Há notícias de que corpos de vítimas e potenciais feridos se encontram na região da mata, divisa entre o Complexo da Penha e do Alemão, e que mães e familiares estariam mobilizados a adentrar o local em meio ao tiroteio no desespero de localizar seus parentes. Ativistas de direitos humanos também estão no meio do fogo cruzado, sendo ameaçados por agentes de segurança que estão no local impedindo a retirada de novas vítimas e reprimindo a manifestação de moradores da área”.
“Chacina não é absoluta excepcionalidade. Chacina não é compatível com o Estado Democrático de Direito. É preciso parar o extermínio da população negra”, finaliza a nota assinada por 24 entidades, entre elas o Instituto Marielle Franco, a Anistia Internacional Brasil, o Conselho Estadual de Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro e o Observatório de Favelas.