Jurandir Pacífico critica Justiça após soltura do suspeito de assassinato de seu irmão, Binho do Quilombo

O filho da líder quilombola Mãe Bernadete critica a lentidão e ineficácia da Justiça em casos envolvendo defensores de direitos humanos e lideranças quilombolas

Por Andressa Franco

“A justiça brasileira tem sido criticada por sua lentidão e ineficácia em casos envolvendo os defensores dos Direitos Humanos e lideranças quilombolas. A decisão de soltar o acusado pela morte de meu irmão é um exemplo disso”, a declaração é de Jurandir Wellington Pacífico, filho de Mãe Bernadete, liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares assassinada em agosto de 2023, e irmão de Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, o Binho do Quilombo, também assassinado em setembro de 2017.

Ele se refere à decisão do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), que determinou a soltura de Willian Portugal Brito, suspeito de envolvimento no assassinato Binho do Quilombo. A decisão foi uma resposta à solicitação da defesa do suspeito, que alegou excesso de prazo da prisão preventiva. Argumentaram também que a acusação remonta a supostos fatos criminosos que teriam ocorrido em 2017 e ainda não houve denúncia apresentada pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA). 

Ainda assim, o investigado precisará cumprir medidas cautelares como uso de tornozeleira eletrônica, além de estar proibido de frequentar bares, festas, restaurantes, e de deixar a comarca sem autorização judicial. 

A defesa celebrou a decisão, declarando ainda que o MP não tinha condições técnicas de oferecer a denúncia contra Willian.

Já Jurandir, afirma que recebeu a notícia com decepção, e que avalia que falta transparência e eficácia na atuação da Justiça.

“A mensagem que o judiciário passa é que a vida dos defensores de direitos humanos não é priorizada. Isso é ainda mais preocupante quando consideramos que os quilombolas já enfrentam inúmeros desafios de discriminação. É uma vergonha.”, lamenta a liderança, que ressaltou a importância de o movimento quilombola permanecer unido diante desse cenário. 

Binho foi morto no dia 19 de setembro de 2017, vítima de tiros enquanto estava dentro do próprio carro, no Território Quilombola de Pitanga dos Palmares, localizado no município de Simões Filho, região metropolitana de Salvador. Os responsáveis fugiram do local logo depois dos disparos. 

Ao G1, o MP-BA informou que aguarda o cumprimento de diligências requisitadas às polícias Federal e Civil, em novembro de 2024, pelo Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas e Investigações Criminais (Gaeco). De acordo com o órgão, ainda estão pendentes o relatório técnico e laudo pericial, considerados “imprescindíveis” para a investigação, especialmente no que diz respeito à autoria do crime.

Para Jurandir, essa transferência de responsabilidade de um órgão para o outro demonstra a ineficiência no processo investigativo para elucidação do caso.

“A investigação começou em 2017 com a Polícia Civil, onde ficou um ano e meio, depois ficou cinco anos e meio nas mãos da [Polícia] Federal, agora voltou para o Gaeco, e parece que nunca foi investigado. Fico muito decepcionado, porque quando é para a Justiça estar a favor do povo preto e pobre desse país, ela não funciona”, completa. 

Outra denúncia dos familiares, é a de que continuam sem acesso aos autos da investigação sobre o assassinato de Binho, solicitado há anos através de peticionamentos.

Assassinato de Mãe Bernadete 

Mãe Bernadete teve sua vida ceifada dentro da própria casa, onde foi alvejada com 22 tiros na noite de 17 de agosto de 2023, aos 72 anos. Os netos da líder quilombola estavam em casa no momento do crime, que foi denunciado pelo mais velho, Wellington Gabriel de Jesus dos Santos, de 22 anos. 

Em novembro de 2023, apenas três meses depois do ocorrido, a Polícia Civil da Bahia concluiu que o assassinato de Mãe Bernadete estaria relacionado à sua oposição ao tráfico de drogas e a facções criminosas que vinha se instalando na região do Quilombo Pitanga de Palmares. Hipótese contestada pela família, cujo advogado, David Mendez, já disse que Mãe Bernadete era ameaçada por madeireiros que atuavam na região por fazer denúncias contra eles. A extração de madeira é ilegal no território, que é Área de Proteção Ambiental (APA). 

A própria quilombola relatou as ameaças que vinha sofrendo de “fazendeiros da região” meses antes de sua morte, durante um encontro com a então presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, ao lado de outras lideranças.

“Eu discordo plenamente, está faltando peça no tabuleiro desse xadrez. Minha mãe não tinha nenhum problema com o tráfico. O tráfico foi pago para executar Mãe Bernadete”, assegurou Jurandir na época, quando defendeu em entrevista à Afirmativa que o resultado da investigação preservava os verdadeiros mandantes do crime através da responsabilização de traficantes. Para a família, a disputa territorial é o que de fato estaria no centro do crime. “Caso desse problema, como deu, a conta cairia no tráfico, como caiu. Foi tudo pensado antes.”

Três dos homens denunciados pelo MP-BA pelo assassinato de Mãe Bernadete aguardam o júri popular determinado pela 1ª Vara Crime de Simões Filho.

Mãe Bernadete integrava o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) do governo federal, executado na Bahia pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH). No entanto, ao menos três das câmeras que deveriam vigiar sua casa estavam com problemas, e a ronda da Polícia Militar a visitava sempre no mesmo horário.

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