Após 7 anos, José Carlos Rodrigues é condenado em primeira instância por tentativa de feminicídio contra ex-companheira em Salvador

O caso aconteceu em 2016, e a sentença foi proferida nesta quarta-feira (29). No entanto, o agressor pode recorrer em liberdade

O caso aconteceu em 2016, e a sentença foi proferida nesta quarta-feira (29). No entanto, o agressor pode recorrer em liberdade

Por Andressa Franco

Foi proferida nesta quarta-feira (29) a sentença em primeira instância do pedreiro José Carlos Rodrigues, julgado por tentativa de homicídio qualificado em feminicídio por motivo torpe e sem chance de defesa da vítima. O julgamento ocorreu no Fórum Ruy Barbosa, em Salvador (BA). José foi condenado a uma pena de 10 anos em regime fechado, sendo que a condenação inicial seria de 15 anos. Mas, a pena foi reduzia para 10 anos porque José é réu primário, confessou o crime e teve boa conduta durante os sete anos em que a ação corria na justiça.

O pedreiro pode recorrer em liberdade, processo que pode levar até um ano de acordo com Laina Crisóstomo, advogada fundadora da TamoJuntas, organização que faz a assistência de acusação da ação junto ao Ministério Público.

“Minha mãe se sentiria mais segura se ele já fosse preso”, lamenta Raquel Gomes, filha da vítima, Dona Rosa Maria Crispina, que levou múltiplas facadas. “Ela já disse: nesse um ano a gente vai ter que tomar cuidado. Meu irmão ficou revoltado.”

A filha de Dona Rosa, cozinheira assim como a mãe, relata que houve uma sequência de falas machistas por parte dos advogados de defesa. “Tentou desvalorizar minha mãe o tempo todo. Sempre com a acusação de que ela tinha um amante pra tentar justificar, me chamou de mentirosa.”

Raquel destaca ainda que um dos advogados chegou a afirmar que o réu tinha um “ciúme sadio” em relação à vítima, algo que ele “também tinha” e que sua esposa “gostava”.

“Foi nesse nível, extremamente desrespeitoso. Tentaram de todas as formas tirar acusações de feminicídio. Ele disse que foi um caso isolado, que agora toda tentativa de matar uma mulher é considerada feminicídio.”

Negligências e medida protetiva

Dona Rosa recebeu múltiplas facadas do agressor. De acordo com Raquel Gomes, durante a perícia que deu início ao processo judicial, sua mãe não teve os ferimentos do corpo fotografados para compor as provas. Já durante as audiências do processo, Rosa foi questionada sobre o que provocou a fúria do ex-companheiro e como ele teria conseguido atingi-la no rosto, já que tem baixa estatura. Mãe e filha afirmam também que a invasão da casa não foi levada em conta para fins da ação judicial.

Diante das negligências do caso, a filha de Dona Rosa espera que “se faça justiça não só por minha mãe mas por todas as mulheres vítimas de violência desse país que tem a sua dor negligenciada. Porque durante esses sete anos ele ficou livre mas a minha mãe ficou aprisionada dentro de casa”.

Pela Lei Maria da Penha, a medida protetiva tem por objetivo preservar a integridade física da vítima e impedir que o agressor se aproxime. A mulher que sofrer uma violência ou se sentir ameaçada pode solicitar em qualquer delegacia ou pela internet. Apesar de ser um mecanismo importante, tendo em vista que em caso de descumprimento há prisão em flagrante, Raquel garante que mesmo com a medida a mãe não se sentiu segura ao longo desses anos. Até porque, a medida não garante que a mulher estará em segurança, e muitos casos de feminicídio acontecem contra mulheres que detem o recurso.

“Além disso é de difícil acesso”, critica Raquel. Para ela, é “um absurdo” que as vítimas não saiam da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM) já com uma medida protetiva. Ela denuncia ainda a falta de orientações jurídicas às vítimas. “Eu dou um conselho a todas as vítimas de violência: por mais que doa, fotografem, gravem e guardem todos os tipos de documento que possa ser relacionado ao processo. Porque a perícia não faz isso muito bem e a gente fica à mercê de não ter material para condenação.”

Integrante da TamoJuntas acompanharam junto a Raquel Gomes o julgamento – Imagem: Divulgação
Ato público

Antes do julgamento, um ato público foi realizado às 8h em frente ao Fórum pelo Instituto Odara, em parceria com a TamoJuntas. O ato aconteceu em apoio à vítima e como forma de manifestação contra a violência e os feminicídios praticados diariamente contra as mulheres, sobretudo negras.

Durante o ato, a integrante do Instituto Odara, Alane Reis, chamou atenção para o fato do crime ter acontecido próximo a uma DEAM, e para as violências sofridas por Dona Rosa durante todo o processo, como a dificuldade de ser atendida pela SAMU.

“É importante que a gente não deixe esse caso ser mais um que cai na injustiça. Dona Rosa poderia ser qualquer uma de nós. É preciso criminalizar homens que acham que são donos das vidas das mulheres”, ressalta.

Edilane Soares é advogada da TamoJuntas, e lembrou que historicamente as mulheres já foram “propriedade do homem”, através do pátrio poder. “Foi por meio de muita luta que conseguimos avançar. Mas ainda temos muito a caminhar.”

A ativista destacou ainda a importância do papel dos homens na busca por um país livre de feminicídios. “As mulheres são sujeitos de direito e os homens não podem nos violentar.”

Nesse sentido, para Danielle Bitencourt, também ativista do Odara, “o movimento de mulheres negras vem dando o tom”, e cada vez mais as mulheres têm denunciado a violação dos seus direitos. A resposta da justiça, em contrapartida, segue muito lenta.

O relatório Elas Vivem, divulgado em março deste ano a partir de dados da Rede de Observatórios da Segurança, mostra que a cada quatro horas ao menos uma mulher foi vítima de violência em 2022.

Para Michele Britto, voluntária da TamoJuntas, é muito importante que a justiça seja feita, mas também que sejam desenvolvidas políticas públicas para incidir na diminuição dos feminicídios. “Não dá pra gente pensar na diminuição do feminicídio só na perspectiva da criminalização”, pondera.

Entenda o caso

José Carlos, atacou Dona Rosa com sete facadas no rosto, braços e tórax em 23 de maio de 2016, no final de Linha do Engenho Velho de Brotas, há poucos metros da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM).

Dona Rosa estava voltando para sua casa após participar de uma festa de aniversário de um familiar e se deparou com o portão arrombado, móveis e eletrodomésticos danificados e alguns objetos e documentos furtados. Imediatamente, desconfiou que o autor da invasão fosse José Carlos Rodrigues, seu ex-companheiro, que resistia em aceitar o fim do relacionamento de dois anos.

Depois de perceber a invasão da casa, Rosa conversou com os vizinhos para descobrir o que aconteceu, mas não teve sucesso. Se dirigiu então até uma casa na vizinhança, onde José estava, para questioná-lo. Ele negou que tivesse invadido a casa, e Dona Rosa relata que avisou que daria queixa na polícia.

Poucos minutos depois, ainda andando pela vizinhança, Rosa foi surpreendida pelo ex-companheiro, que lhe golpeou com sete facadas no rosto, braços e tórax. Logo após o crime, o agressor foi capturado por populares e entregue à polícia.

Socorrida por vizinhos – já que a SAMU foi acionada mas demorou a mandar uma ambulância -, Rosa foi levada ao Hospital Geral do Estado (HGE), onde passou por cirurgia e precisou ficar internada por uma semana e meia. “Quando eu cheguei no HGE minha mãe estava com a boca inchada e cheia de sangue, quando olhei pra ela pensei ‘perdi minha mãe’”, lembra Raquel.

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