A Sororidade Racista no Entretenimento do Big Sister Brasil 2020

“Eu não posso me dar ao luxo de lutar por uma forma de opressão apenas. Não posso me permitir acreditar que ser livre de intolerância é um direito de um grupo particular. E eu não posso tomar a liberdade de escolher entre as frontes nas quais devo batalhar contra essas forças de discriminação, onde quer que elas apareçam para me destruir. E quando elas aparecem para me destruir, não demorará muito a aparecerem para destruir você”. (LORDE, Audre,1983)

 

Por Sheyla Trindade*

Nesta breve escrita, recorro a Audre Lorde para refletir sobre a sororidade das eleitas “fadas sensatas” do “Big Sister Brasil 2020”. Pois como Lorde bem coloca, não há como lutar por uma forma de opressão, negando todas as outras.

Ao contrário do que muitos pensam, não há sororidade quando esta é particularizada como situações isoladas. Ora, o machismo, falocentrismo, misoginia, sexismo advém dos mesmos sujeitos que fundaram o sistema colonial racista, a branquitude. Logo sororidade e antirracismo são indivisíveis.

Dito isso, a edição do “BSB20” está sendo cenário analítico e motivo de amplos debates nas redes sociais, principalmente, em decorrência de falas racistas, misóginas, sexistas, machistas e falocêntricas. Irei me ater a sororidade das “fadas sensatas”, especificamente a Marcella, médica ginecologista obstetra e Ivy Moraes, modelo fotográfica.

Ambas, protagonizaram situações misóginas dos machos participantes do Reality show, a médica como denunciante e a modelo por validar a denúncia da sister sobre os planos dos machos. Eis que os comportamentos feministas brancocêntricos lhes deram o título de “fadas sensatas”.

As denominadas raivosas somos nós, mulheres pretas, seja em intervenções nas Secretarias de Estado, nos hospitais, requerendo atendimento, ou ao manifestar pensamentos em rodas de debates, sem delicadeza e sensibilidade, já que nossos corpos animalizados são lidos como insensíveis e resistentes. Para mais, como bem colocou Angela Davis, “alguém tem que expressar essa raiva sob como o mundo está organizado” [1], sem problemas “fadas” não nos cabe e nem queremos, já que as nossas ancestrais foram feiticeiras, benzedeiras, curandeiras e rezadeiras, não condizendo com a imagem de fadas, sendo essa uma construção eurocêntrica e, sim com a imagem de bruxas.

Entretanto, as denunciantes, logo depois de serem eleitas, mostraram a “sororidade” racista (nada novo sob o Sol), falas que reforçam os estereótipos de que lugar de negro é na cozinha, ou seja, a subalternidade e subserviência. Contudo, o tribunal twiter declarou que as “fadas” reproduziram discursos e que é estrutural. Conforme, afirma Grada Kilomba, em Memórias da plantação: Episódio de Racismo Cotidiano : “As respostas comuns à culpa são a intelectualização ou racionalização, isto é, a tentativa do sujeito branco de construir uma justificativa lógica para o racismo; ou descrença, assim o sujeito branco pode dizer: ‘Nós não queríamos dizer isso nesse sentido’”.

Dessa forma, a fala de Kilomba se evidencia na realidade objetiva com a prática do racismo recreativo, que é minimizado através do eufemismo de que foi uma simples “brincadeira”. Ademais para “afastar” qualquer dúvida das suas atuações não racistas, a comunidade denominada hippie, criada pelas sisters, ou melhor, “fadas sensatas”, acolheram Thelma, mulher negra, logo, elas não são racistas. Apenas fizeram uma “brincadeira” com o único homem negro do programa.

Considerando esses fatos, brevemente supracitados, podemos analisar como o feminismo das brancas é contraproducente, ou melhor, vale tudo para aumentar seguidores num jogo de follow/Unfollow. Assim, BSB20, apresenta uma narrativa que nos mostra como se dá o padrão de sociabilidade no Brasil e de como conceitos importantes para a luta antirracista estão sendo apropriados pelo racismo institucional. Recorro ao conceito de Dororidade, de Vilma Piedade, para elucidar dúvidas quanto essa sororidade do BSB20: “(…) Assim como o barulho contém o silêncio. Dororidade, pois, contém as sombras, o vazio, a ausência, a fala silenciada, a dor causada pelo Racismo. E essa Dor é Preta”.

Destarte, com âmago no conceito filosófico de Dororidade, analiso a branquitude Big Sister, como podem pensar em questões de gêneros, se o racismo recreativo é inerente a narrativa do Reality? Que sororidade é essa que chama de “barro” a maquiagem da preta que em tempos pretéritos viveu/vive a Dororidade, através do silenciamento da sua estética? O entrecruzamento da sororidade/dororidade não se faz presente no BSB20.

Segundo Bell Hooks, em Mulheres Negras: Moldando a Teoria Feminista, “ser oprimida significa ausência de opções”. Essa narrativa se torna evidente quando o racismo recreativo é “aceito” pelo oprimido, a exemplo, quando a empregada doméstica “aceita” ser chamada de Maria, quando seu nome não é Maria. A ausência de opções leva o povo preto à subserviência. Na sociabilidade brancocêntrica, há opções, sobretudo para a elite, ao passo que, as pretas são historicamente desumanizadas. Dessa forma, é fadado ao fracasso pensar um projeto de sociedade com vista à superação do patriarcado numa cosmovisão forjada na branquitude.

“Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista”.

Angela Davis

 

*Professora da Educação Básica de Minas Gerais e membrx do Coletivo Diversidade, Gênero e Negritude SindUTE/MG- Governador Valadares.Graduada em Geografia (Licenciatura) pela Faculdade de Tecnologia e Ciências. Atuou como pesquisadora no Núcleo de Estudos Regionais e Agrários ( NERA), quando estudante do curso de Bachalereado  em Geografia da Universidade Federal da Bahia. Co- fundadora da atividade cultural  Ocupação Sapatão na cidade de Salvador/BA.

 

 

 

[1] Fala de Angela Davis na Conferência A LIBERDADE É UMA LUTA CONSTANTE, realizada em São Paulo, em 19/10/2019.

 

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