Por Elizabeth Souza
Foi ao som de tambores, gonguês e ganzas do Maracatu Nação Porto Rico que, na última terça-feira (13), pleno Dia Nacional de Combate e Denúncia do Racismo, uma multidão vestida de branco seguiu em cortejo para dar o último adeus à Mãe Elda de Oxóssi, que faleceu na segunda-feira (12), aos 86 anos. O sepultamento aconteceu na tarde do dia 13 de maio, no Cemitério de Santo Amaro, no Recife (PE).
Última rainha de maracatu coroada na Igreja do Rosário dos Homens Pretos, na capital pernambucana, Mãe Elda deixa um legado imprescindível para a cultura afro-brasileira. Ela também se dedicou a causas sociais muito importantes enquanto professora, contribuindo com a alfabetização de muitas crianças na comunidade onde morava, no bairro do Pina, Zona Sul do Recife.
Trajetória
Nascida em 1939 no bairro de Casa Amarela, na Zona Norte do Recife, Mãe Elda Viana adentrou os ritos da religiosidade de matriz africana aos 17 anos, primeiramente na Umbanda, no estado do Rio de Janeiro. Anos mais tarde, na terra natal, em 1970, foi iniciada na nação Nagô, no Candomblé, e posteriormente, na década de 1980, na nação Jeje. Nesta última permaneceu até o fim de sua vida, somando mais de quatro décadas liderando o Ylê Axé Oxóssi Guangoubira, no bairro do Pina, sede do Maracatu Nação Porto Rico.
Sua história com o Maracatu inicia nesse período. Ela é coroada rainha da nação também em 1980, na Igreja da Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no bairro de Santo Antônio, em Recife. Esse ritual era feito em alusão à coroação dos Reis do Congo – de origem africana – realizado pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos durante o período da colonização portuguesa no Brasil, o que deu origem aos maracatus em Pernambuco enquanto expressões da cultura vinda de África.
Com a proibição do clero em realizar as coroações no interior da igreja devido à ligação com religiões de matriz africana, elas passaram a ser feitas no adro do templo. Sendo Mãe Elda, portanto, a última e única rainha do maracatu coroada no interior da Igreja da Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos no Recife.
“A importância de ser uma rainha do maracatu é tão grande. Quando chega ali naquela passarela (…) alguma coisa vai entrando na gente assim, vai me arrepiando todinha (…) vai levantando, a gente fica alta (…) já vai mexendo com o corpo”, disse Mãe Elda durante a gravação do documentário “Eu avistei Porto Rico”, com produção audiovisual de Vinícius Barros, em 2013.
Reconhecimento
Diversas publicações homenageando a matriarca inundaram as redes sociais desde a notícia de seu falecimento, são condolências vindas de nações de maracatus, grupos e personalidades da cultura pernambucana e lideranças de diversas religiões, especialmente de matriz africana.
“Uma perda enorme para todos e todas das tradições de Matriz Africana em Pernambuco e no Brasil. Estamos consternados com a notícia da partida da Iyalorixá Mãe Elda de Oxossi. Que nossa mãe Oyá a conduza, e o Orum o receba em festa”, escreveu a yalorixá Mãe Beth de Oxum, liderança cultural de Pernambuco, nesta terça-feira (13) em suas redes sociais.
“Rainha das Rainhas. Descanse em paz eterna rainha Mãe Elda”, publicou a página Batuqueiros de Pernambuco. “Nossa cultura perde uma rainha, mas ganhamos uma ancestral de luz”, publicou o Maracatu Nação Estrela Brilhante do Recife, grupo de grande tradição no estado de Pernambuco.
Em meio às homenagens, um silêncio causou incômodo: nem a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSD), e nem o prefeito do Recife, João Campos (PSB), se pronunciaram acerca do falecimento de Mãe Elda.
Por sua vez, a conta da Secretaria de Cultura de Pernambuco/Fundarpe no Instagram fez uma publicação com uma foto de Mãe Elda em preto e branco junto a um texto homenageando o legado da Yalorixá. A Secretaria de Cultura do Recife também realizou uma homenagem parecida, no entanto a postagem possuía apenas um card preto escrito “Luto” em letras brancas, e uma legenda reverenciando Mãe Elda e mais duas figuras da cultura pernambucana que também faleceram no início desta semana: Dona Murinete, matriarca do Bloco Carnavalesco Misto Banhistas do Pina, e Mestre Zezinho, fundador, mestre e presidente da Tribo Caboclinho Candidé, fundada em 11 de março de 1983.
“Mãe Elda é nossa rainha/Vossa Majestade merece respeito”. Esses são trechos de uma das canções do Maracatu Nação Porto Rico que ecoam forte e reivindicam atemporalmente a preservação e o reconhecimento da trajetória de Mãe Elda de Oxóssi. Que seu legado oriente e seja motivo de orgulho às gerações presentes, dando régua e compasso às gerações futuras.