Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Organizações indígenas pedem justiça pelo povo Pataxó Hã Hã Hãe depois do assassinato da Pajéia Nega Pataxó

Entenda o que é o “Movimento Invasão Zero”, principal suspeito do ataque que resultou na morte da líder indígena, e contexto por trás do conflito 

Entenda o que é o “Movimento Invasão Zero”, principal suspeito do ataque que resultou na morte da líder indígena, e contexto por trás do conflito 

Por Andressa Franco

Imagem: Teia dos Povos

Organizações, coletivos e articulações indígenas mobilizaram na tarde desta quarta-feira (24) um tuitaço – mobilização nas redes sociais – pedindo justiça pelo povo Pataxó Hã Hã Hãe, que tem sofrido com reiterados ataques no sul da Bahia.

O estopim da mobilização foi o assassinato a tiros de Maria de Fátima Muniz, a Pajé Nega Pataxó, em Potiraguá (BA), após fazendeiros tentarem expulsar indígenas que ocupavam uma fazenda na região. Dois homens foram presos em flagrante. 

“A demarcação das terras indígenas é o único caminho para amenizar a escalada de violência que atinge os povos da região sul da Bahia. O assassinato de Nega Pataxó e as agressões as outras lideranças não pode ficar impune”, escreveu a Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (Apib) durante o tuitaço. A Articulação apontou ainda a aprovação do marco temporal como fator que “acentua a intransigência dos invasores”.

A liderança indígena Thaynara Pataxó denunciou que se trata de uma violência recorrente. “As comunidades Pataxó e Pataxó Hãhãhãe no extremo sul da BA, têm sido atacadas com frequência, não somente ataques, mas assassinatos, como os de: Vitor Pataxó, Irís Pataxó, Samuel Pataxó, Inauí Pataxó, Lucas Pataxó/Kariri Sapuyá e Nega Pataxó.”

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) lembrou que em pouco mais de 30 dias (14 de dezembro a 21 de janeiro), foram registradas pelo menos oito investidas contra os povos indígenas no Sul e Extremo Sul da Bahia. “A situação demonstra a necessidade de que os direitos territoriais reivindicados pelos povos indígenas sejam analisados e garantidos de forma rápida e efetiva”, escreveu o Conselho no X, antigo twitter. 

Assassinato de Nega Pataxó

De acordo com a investigação da Polícia Civil da Bahia, o grupo de ruralistas “Movimento Invasão Zero” é o principal suspeito do ataque na fazenda Inhuma, em Potiraguá, que deixou pelo menos cinco feridos, e tirou a vida de Nega Pataxó. 

A Pajé Nega Pataxó e seu irmão, Nailton Muniz Pataxó, eram parte de um grupo de cerca de 50 indígenas que ocupavam a fazenda desde quinta-feira (18). O objetivo era pressionar as autoridades a “devolver o que é historicamente nosso”. Nailton também foi atingido com um tiro, e levado para o Hospital Cristo Redentor, em Itapetinga (BA).

Uma jovem ativista Pataxó Hã-Hã-Hãe e Terena, que preferiu não se identificar por conta das ameaças, conta que o momento é difícil para toda comunidade. “É doloroso e revoltante o que vem acontecendo há muito tempo com os povos indígenas da Bahia e do Brasil. Infelizmente o Estado segue matando e omisso. Nós já não aguentamos ver o sangue dos nossos sendo derramado em nosso território.”

De acordo com a ativista, a região ainda está vivendo sob tensão, e áudios em grupos de WhatsApp estão circulando com ameaças aos Pataxó Hã-Hã-Hãe. 

Ela ressalta ainda a truculência da Polícia Militar nas ações contra os indígenas na região. “Se souber que é indígena, começam os ‘baculejos’ e formas de incriminar, acusando os meus parentes de bandidos, uma agressão absurda.”

Imagem: Reprdoução Redes Sociais
Histórico de violência contra povo Pataxó na Bahia

A escalada da violência contra o povo Pataxó na Bahia não é um fenômeno novo. Há cerca de um ano, a ministra Sônia Guajajara esteve no estado também em decorrência de vítimas fatais desse conflito: o assassinato de Samuel Cristiano do Amor Divino, de 25 anos, e Nawir Brito de Jesus, de 17 anos, em Itabela (BA). Os jovens Pataxó foram assassinados a tiros dias depois de iniciada a retomada das fazendas Condessa e Veneza.

Os ataques se intensificaram desde junho de 2022, quando os Pataxó iniciaram o processo de autodemarcação nas Terras Indígenas (TI) de Barra Velha e Comexatibá.

Nesse sentido, a gestão de Jerônimo Rodrigues, que se autodeclara primeiro indígena eleito governador no país, é omissa. Na época do assassinato de Samuel e Nawir, por exemplo, não autorizou o envio da Força Nacional ao território.

Os Pataxó vivem em diversas aldeias no extremo sul da Bahia e norte de Minas Gerais. Há evidências de que a aldeia de Barra Velha existe há quase dois séculos e meio. São mais de 20 mil indígenas em pelo menos 30 comunidades. Os fatores que potencializam o conflito são interesses da agroindústria de celulose, da pecuária, e do setor turístico, o que vem desencadeando especulação imobiliária.

O território da Terra Indígena Caramuru-Paraguassu, centro da atual disputa que tirou a vida de Nega Pataxó, foi criado em 1927, na época chamada de Reserva Caramuru-Paraguassu, pela extinta Secretaria de Proteção ao Índio (SPI), com terras doadas pelo estado da Bahia, para abrigar diferentes etnias “capturadas” nas matas da região pelos agentes da SPI. A terra só foi demarcada em 1937. 

Nos anos 70, o sul da Bahia foi invadido por uma frente madeireira, que desmatou a região, em decorrência da doação ilegal de títulos de terra a fazendeiros por parte do governo da Bahia, então comandado por Antônio Carlos Magalhães (ACM). O que atingiu a então Reserva Caramuru-Paraguassu.

Os povos indígenas começaram a retomada do território em 1982. Desse período até o STF decidir pela ilegalidade da permanência dos fazendeiros, em 2012, foram cerca de 22 indígenas assassinados. Apesar da decisão do STF, apenas em 2016 foi publicado o acórdão que determina a desintrusão dos fazendeiros do território, que ainda não foi finalizada. De 2012 para cá, mais 31 indígenas foram assassinados na TI Caramuru-Paraguassu.

Movimento Invasão Zero

O grupo de ruralistas, que tinha por objetivo retomar a fazenda ocupada pelos indígenas Pataxó, se organizou através de um grupo de trocas de mensagem. Dois integrantes foram presos pela Polícia Militar e autuados em flagrante por homicídio e tentativas de homicídio. Os fazendeiros armados poderão responder por associação criminosa armada, mas ainda é preciso identificar e intimar cada um. 

O Movimento Invasão Zero nasceu em abril de 2023 na Bahia. Segundo apuração do Globo, o grupo é liderado pelos empresários baianos Luiz Uaquim e Dida Souza, e se expandiu durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MST. Naquele momento, o movimento era estimado em mais de 10 mil fazendeiros baianos como membros, e passou a atuar em outros estados.

A iniciativa se fortaleceu entre parlamentares bolsonaristas, que em outubro do ano passado lançaram a Frente Parlamentar Invasão Zero, em Goiás, para defender o Marco Temporal. O ex-presidente Jair Bolsonaro participou da cerimônia de lançamento.

Lançamento da ‘Frente Parlamentar Invasão Zero’ — Imagem: Divulgação

No dia 28 de dezembro, a lei que fixa o Marco Temporal das Terras Indígenas foi promulgada pelo Congresso Nacional. Para isso, o Congresso precisou rejeitar os vetos que o presidente Lula fez a trechos do projeto. Entre eles, a definição de “terras indígenas tradicionalmente ocupadas” como aquelas “habitadas e utilizadas” pelos indígenas para suas atividades produtivas na data da promulgação da Constituição de 1988.

A decisão do Congresso é contrária à do Supremo Tribunal Federal (STF), que rejeitou a tese do Marco Temporal em setembro. 

O critério do marco temporal define que os indígenas só podem reivindicar a demarcação de terras nas quais já estivessem estabelecidos até a data de promulgação da Constituição de 1988. Em outras palavras, é a morte legislada dos povos originários, que muito antes de 1988 foram expulsos de seus territórios, e hoje tentam retomar.

Companhia da PM é criada para mediar conflitos agrários e urbanos 

Na última segunda-feira (22), a ministra dos Povos Indígenas Sônia Guajajara esteve com uma comitiva no sul da Bahia para acompanhar os indígenas do povo Pataxó Hã Hã Hãe.

“As lideranças reforçaram o pedido de desintrusão, especialmente pela recente validação do marco temporal pelo Congresso. Entre outras medidas acertadas, o MPI irá elaborar um plano de proteção territorial em conjunto com as comunidades para os 12 territórios indígenas da região”, anunciou a ministra em suas redes sociais.

Ministra dos Povos Indígenas Sonia Guajajara visita as vítimas do ataque ao povo Pataxó – Imagem: Leo Otero – MPI

Já o presidente Lula se manifestou na última terça-feira (23), também através de suas redes sociais. O presidente prometeu discutir o crime com o MPI e com o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT). “Quero colocar o governo federal à disposição de Jerônimo e dos povos indígenas para encontrar uma solução de forma de aliança.”

No mesmo dia, o governo da Bahia oficializou a criação de uma companhia da Polícia Militar (PM) voltada para mediação de conflitos agrários e urbanos

Compartilhar:

.

.
.
.
.

plugins premium WordPress