Por Andressa Franco
Em 48 horas, ao menos sete pessoas perderam suas vidas em decorrência dos impactos provocados pela falta de preparo do poder público para lidar com as fortes chuvas da última semana no Recife (PE), cada vez mais frequentes.
Entre as fatalidades, uma mulher de 51 anos e sua filha, de 23, que estavam em dois quartos diferentes quando o deslizamento de uma barreira provocou a queda do primeiro andar da casa, as soterrando. Outras pessoas foram vítimas de choques e descargas elétricas, ou foram arrastadas pela correnteza. Além das mais de 300 pessoas que ficaram desalojadas ou desabrigadas após chuvas intensas no Grande Recife, incluindo Jaboatão dos Guararapes, Olinda, Igarassu, Camaragibe e Paulista.
A sina que se repete todo ano, e vem acompanhada de alagamentos, perda de móveis e casas, aulas suspensas, queda de árvores, falta de energia e de água, restrições nos atendimentos de saúde, linhas de trens paralisadas, já não surpreende mais a população recifense.
“Isso não teria acontecido se o prefeito tivesse gastado menos em marketing e mais em limpeza”, “Vai culpar a chuva e o povo de novo? Todo ano é a mesma coisa, gente morrendo em encostas!!”, “Não venha dizer que é lixo jogado em locais irregulares. Há ruas dentro dos Torrões que não são limpas há anos, e algumas canaletas nem existem mais”. São alguns dos comentários encontrados nas redes sociais do prefeito da capital pernambucana, João Campos (PSB).
Outros comentários lembraram que, quando deputado federal, em 2020, João Campos votou contra o Marco Legal do Saneamento Básico; cobraram projetos de mitigação e adaptação climática; e criticaram ainda o coronelismo do qual o político é herdeiro, já que há décadas a família Campos Arraes comanda o estado de Pernambuco, ocupando diversos cargos de poder.
“Em dias como hoje, em que vivemos um evento climático extremo, o racismo ambiental mostra sua perversa face. A chuva percorre as ruas, os córregos, as barreiras e as águas revelam as desigualdades da nossa sociedade, especialmente para as pessoas negras, pobres e periféricas”, escreveu a deputada estadual de Pernambuco, Dani Portela (PSOL), em seu perfil no X, onde criticou ainda os anos de falta de investimento em ações estruturantes nas periferias.
Para se ter uma ideia, no Ranking do Saneamento 2024, elaborado pelo Instituto Trata Brasil (ITB) em parceria com a GO Associados, tanto Recife quanto Jaboatão dos Guararapes, cidade pernambucana também frequentemente vitimada pelas chuvas, figuram entre os 10 piores municípios. Recife aparece na posição 94, enquanto Jaboatão está na posição 98, do total de 100 ranqueados. Os indicadores levam em conta atendimento de água, coleta e tratamento de esgotos, investimento por habitante, índice de perdas na distribuição e por ligação.
Além disso, segundo relatório da ONU, Recife é a capital brasileira mais vulnerável às mudanças climáticas e 16ª cidade do planeta nesse ranking de vulnerabilidade. Em contrapartida, um diagnóstico do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) revela que três de cada quatro municípios pernambucanos não estão preparados para lidar com fenômenos naturais extremos.
Outri ponto de crítica são os R$ 609 milhões que o prefeito João Campos destinou a festas, eventos e publicidade institucional, contra apenas R$ 204 milhões investidos na reforma do sistema de drenagem, de acordo com o Portal da Transparência.
Em entrevista para a Afirmativa durante as chuvas de 2022, a jornalista e hoje Secretária Executiva do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial no Ministério da Igualdade Racial, Larissa Santiago, criticou a falta de vontade da gestão política estadual em realizar ações significativas.
Para evitar as tragédias que se repetem ano após ano, Larissa chamou atenção para a necessidade de investir em prevenções como a contenção de encostas, construção de abrigos nas cidades, e planejamentos para que a Defesa Civil emita alertas que sejam rápidos e que dialoguem com as pessoas que vivem em áreas de morro, evitariam a tragédia. “Traduz o que a gente chama de necropolítica. Não é só um evento da natureza, é um projeto de política pública pra deixar as pessoas morrerem. Todas as comunidades periféricas do Recife sofreram com essas enchentes. Isso faz parte de racismo ambiental”, acrescenta.