Agenda criada em 2019 pelo Odara – Instituto da Mulher Negra, esse ano tem como tema “Promovendo a Participação Política e Enfrentando a Violência Política contra Mulheres Negras”.
Por Andressa Franco
Imagem: Reprodução
Aconteceu na noite da última quinta-feira (03) a primeira das diversas atividades que serão promovidas ao longo da 4ª edição do Março de Lutas, agenda coletiva criada em 2019 pelo Odara – Instituto da Mulher Negra. A roda de conversa virtual “Mulheres Negras e Eleições: Conjuntura e Desafios” foi transmitida pelo canal oficial da Articulação das Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), entidade realizadora da agenda, em conjunto com a Rede de Mulheres Negras do Nordeste.
O tema escolhido para 2022, ano eleitoral, é “Promovendo a Participação Política e Enfrentando a Violência Política contra Mulheres Negras”. E a live de abertura propôs debater justamente o cenário político que suas candidaturas encontrarão esse ano, assim como seus desafios. Além de provocar reflexões e estratégias do movimento de mulheres negras no Brasil para a mobilização rumo à eleição de mais mulheres negras.
Contando com a mediação de Halda Regina, presidenta do Instituto da Mulher Negra do Piauí, e integrante da coordenação da Rede de Mulheres Negras do Nordeste, teve a presença de Luciana Lindenmeyer, pesquisadora e Integrante da Frente Nacional de Mandatas e Mandatos Coletivos; Laina Crisóstomo, advogada feminista popular e co-vereadora da Mandata Coletiva Pretas Por Salvador; e de Reginete Bispo, cientista social e senadora suplente. Lila Salú, integrante da Mandata de Coletiva Nossa Cara, de Fortaleza (CE), também foi convidada, mas não pôde participar.
“A conjuntura nunca foi favorável às mulheres negras”
“A conjuntura nunca foi favorável às mulheres negras. A gente está em uma conjuntura bastante desfavorável, células do nazifascismo crescendo, e a ocupação de mulheres negras acaba se tornando mais insegura e perigosa”, opinou Lindenmeyer em sua fala. Ela também chamou a atenção para o fato de que o bolsonarismo não termina com a retirada do presidente. E que por isso o movimento de valorização de candidaturas de mulheres negras precisa ser contínuo e permanente.
A pesquisadora lembrou ainda dos dados alarmantes coletados pelo levantamento “Violência Política de Gênero e Raça no Brasil” de 2020, realizado pelo Instituto Marielle Franco. Os números apontam que 44.3% das candidatas negras sofreram algum tipo de violência racial durante a atividade política nas eleições. A violência política mais relatada foi a virtual, por 78,1% das candidatas negras que participam da pesquisa.
Entre os tipos de violências institucionais destacou-se que 32,9% foi ofendida, difamada e/ou intimidada para aceitar decisões partidárias ou desistir da sua candidatura; 29,1% não recebeu nenhum recurso financeiro do seu partido político para a sua campanha; 12,6% sofreu episódios de discriminação machistas ou LGBTfóbicas em órgãos da justiça eleitoral; 6,3% sofreu racismo em órgãos de justiça eleitoral; 2,5% foi assediada sexualmente para aceitar decisões partidárias ou desistir da sua candidatura 2,5% foi ameaçada de morte para aceitar decisões partidárias ou desistir da sua candidatura.
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Desafios e Estratégias para 2022
Em sua participação, Laina Crisóstomo defendeu a ideia dos mandatos coletivos, como estratégiade construção de pontes, redes e forma de pensar a ocupação da política institucional a partir da lógica do movimento social. “Essa é a grande questão, pensar que o espaço da política não precisa solitário, muito menos egoísta. É sobre democratizar a ocupação do poder e trazer o processo da equidade no debate”, explica.
A co-vereadora baiana destacou as violências políticas de gênero que sofre cotidianamente com suas companheiras de mandata, Cleide Coutinho e Gleide Davis, caracterizando o espaço político como adoecedor. Para a advogada, publicizar todas as falas na Câmara, além de uma forma de prestar contas ao povo, é uma estratégia para repercutir projetos danosos, aproveitando principalmente o espaço das redes sociais. “Seguindo uma lógica de descomplicar e fazer com que as pessoas entendam que a participação para construção da sua cidade não se dá apenas com voto”.
O grande desafio de 2022, de acordo com a parlamentar, é ter não só mais mulheres negras eleitas, mas que defendam um projeto de sociedade feminista, antirracista, antilgbtfóbico, a favor dos povos originários. Destacando a própria ausência de rostos semelhantes nos espaços decisórios, como um fator desencorajador para a participação dessas mulheres na política.
Já para Reginete, o grande desafio é fortalecer a consciência, principalmente da população negra, de que o processo de transformação nas relações de poder está nas mãos das mulheres negras. “Se somos o povo que resistiu a todas as formas de dominação, e construímos formas de resistência e sobrevivência do nosso povo a ponto de nos tornamos o maior grupo populacional, é porque temos muito a dizer”, ressalta.
Destaca como dificuldade também, companheiros da esquerda que tentam diminuir a luta antirracista, classificando como “luta identitária de minoria”, que atrapalha a luta dos trabalhadores. “É horrível ouvir isso. É de uma ignorância de uma pessoa que não estudou e não sabe o que é luta de classes. Isso coloca um certo grau de disputa de narrativas e de projeto dentro da esquerda”.
Além de chamar atenção para o genocídio da juventude negra e para a desigualdade social no Brasil, se somou na defesa das candidaturas coletivas. Cenário que Laina exemplificou com o recente assassinato de três jovens negros na Gamboa, em Salvador. “Infelizmente o governo do estado atual, que é de esquerda, recentemente praticou uma chacina na Gamboa, e não tem sido só lá. No período do carnaval várias festas privadas aconteceram de forma tranquila e segura, mas as festas populares da periferia foram criminalizadas”.
Reginete trouxe ainda a importância dos fundos eleitoral e partidário. Criticando o racismo e machismo presente nos partidos de esquerda, quando estes não priorizam as candidaturas das mulheres negras, distribuindo os recursos de forma desigual.
“Precisamos fiscalizar para esse fundo chegar nas mãos das mulheres negras que fazem a luta antirracista nesse país”, a senadora acrescenta ainda a defesa da fiscalização das pessoas não negras que se autodeclaram para usufruir do fundo “que foi tão suado e não foi sequer garantido no parlamento, mas no STF por ação do movimento negro”.
“Nós mulheres pretas que empurramos os partidos de esquerda pra esquerda”, endossa Laina. “Infelizmente dentro da esquerda a gente também precisa fazer esse enfrentamento todos os dias. Faço parte do PSOL, partido que amo, me sinto parte e construo. Mas não tenho como dizer que no PSOL não tem racista, machista, lgbtfóbico.”.
Março de Lutas
O Março de Lutas é uma agenda coletiva para reafirmar a resistência negra no Brasil, visibilizar o protagonismo das mulheres negras brasileiras no compartilhamento de práticas e experiências de autonomia e liberdade da população negra. Além de, viabilizar denúncias de enfrentamento ao racismo, sexismo e lesbitransfobia, que impactam a vida das pessoas negras, especialmente as mulheres.
A programação acontece em formato online entre os dias 3 e 31 de março e é organizada por dezenas de entidades do Movimento de Mulheres Negras em todo Brasil. O mês de março marca ainda o Dia Internacional contra a Discriminação Racial, os nascimentos de Abdias do Nascimento e Carolina Maria de Jesus, e o falecimento de Luiza Bairros, lideranças importantes da luta negra no Brasil. Em 2022, também em março, se completam quatro anos do assassinato da vereadora e ativista Marielle Franco.
Confira e acompanhe a programação completa do Março de Lutas nas redes da AMNB, Rede de Mulheres Negras do Nordeste e Odara – Instituto da Mulher Negra.